Força Aérea Brasileira na Antártida - Os desafios da missão no gelo
Foto: Força Aérea Brasileira - Divulgação
Para entrar neste continente gelado, o homem precisa pedir licença. Aqui quem dita as regras é o clima. Nem a tecnologia consegue domar a força desse lugar.
Para entrar neste continente gelado, o homem precisa pedir licença. Aqui quem dita as regras é o clima. Nem a tecnologia consegue domar a força desse lugar.
O Esquadrão Gordo (1º/1º GT), é única unidade da Força Aérea Brasileira a operar no inóspito continente, aqui você conhecerá o dia a dia dos militares que há 30 anos integram o apoio logístico do Programa Antártico Brasileiro.
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O confortável hangar do Esquadrão Gordo, onde o C-130 Hércules dorme quando está em casa, na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, nem se compara ao duro batente que o robusto avião enfrenta nas mais diferentes missões que cumpre mundo a fora. É de lá que partimos para nossa viagem à Antártida.
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Antes de deixar o Brasil, parada obrigatória em Pelotas (RS). No próprio aeroporto da cidade gaúcha a equipe de apoio antártico nos aguarda com dezenas de andainas, um kit composto por roupas, botas e acessórios especiais para enfrentar as baixas temperaturas. “O material é isolante, tem uma camada impermeável que protege contra umidade e o vento”, explica o coordenador de apoio antártico sediado em Rio Grande (RS), Ivonir Loureira Amaral, enquanto distribui os sacos azuis. O vento pode reduzir a temperatura em até 20 graus.
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O próximo passo é ultrapassar os vinhedos de Mendoza, na Argentina, o trecho mais longo de todo o percurso. São seis horas ininterruptas até chegar a Punta Arenas, na Patagônia chilena. A cidade portuária é o último ponto do continente sul americano antes do Polo Sul.
A partir daqui só há duas maneiras de alcançar o continente antártico: pelo mar ou pelo ar. Na água, o estreito de Drake, onde o Pacífico encontra o Atlântico, ondas de mais de nove metros aguardam agitadas pelos visitantes. Já a 20 mil pés de altitude, os desafios estão diretamente ligados à meteorologia do continente gelado.
A partir daqui só há duas maneiras de alcançar o continente antártico: pelo mar ou pelo ar. Na água, o estreito de Drake, onde o Pacífico encontra o Atlântico, ondas de mais de nove metros aguardam agitadas pelos visitantes. Já a 20 mil pés de altitude, os desafios estão diretamente ligados à meteorologia do continente gelado.
Os informes meteorológicos para a primeira travessia não são animadores. A decolagem rumo à base antártica chilena Eduardo Frei é cancelada. “Está chovendo e a visibilidade é restrita. O teto é baixo, com 300 pés [quase 100 m]”, justifica o experiente comandante do C-130, Major-Aviador Cláudio Garcia. O pouso por instrumentos precisa de pelo menos 870 pés (260 m).
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Finalmente decolamos. Serão 2h30 até pousar na única pista na Antártida. Na descida, os passageiros vestem os últimos acessórios de proteção contra o frio.
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A temperatura interna do avião é reduzida, um reforço para evitar que os vidros da cabine trinquem por causa do choque térmico. O avião alinha na altura da igrejinha russa localizada no alto da colina, próxima à praia. “É um elemento de referência. Ela se destaca no terreno”, aponta o comandante.
O avião alinha na altura da igrejinha russa localizada no alto da colina, próxima a praia. “É um elemento de referência. Ela se destaca no terreno”, aponta o comandante do C-130
O pouso na pista de cascalho com chão batido é tranquilo. A pista de apenas 1.290 metros é considerada curta para um avião com capacidade de carga de 19 ton como o C-130. Ao tocar o solo polar é possível ver a expressão de alegria nos olhos dos tripulantes - a única parte do corpo sem proteção contra o vento.
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A viagem ainda não acabou. Até alcançar a base brasileira Comandante Ferraz, são necessários mais 20 minutos de helicóptero ou quatro horas de navio, sem contar o bote até ele.
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Pouso no túnel de neve
Menos de cinco minutos depois de estar em solo, a neblina densa encobre as rochas do terreno montanhoso ao redor da pista. A situação ocorre várias vezes ao longo do dia. O tempo fecha e abre num piscar de olhos. O fenômeno constante tem explicação. “A ilha [onde está localizada a base chilena] fica entre dois grandes blocos glaciais: Kolins e Nelson. São como duas muralhas. O ar quente chega, esfria e condensa sobre o aeroporto”, afirma o meteorologista chileno Jorge Prudant, que há 20 anos monitora as mudanças do clima.
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No inverno, a neve é o grande problema. A camada que cobre a pista, acima da placa de gelo, precisa ficar entre três e 10 cm. “Se tiver muita neve, o avião pode quebrar o trem de pouso, que é a base do avião na aterrissagem. Se for menos, o gelo diminui a ação de frenagem e pode ser que caia no mar”, detalha o chileno.
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Ao lado da pista o piloto que entra no terceiro ano de voo antártico descreve como é comandar um avião desse porte no gelo. “A neve acumulada nas laterais da pista chega a três metros de altura; a gente pousa praticamente num túnel”, compara o Capitão-Aviador André Faleiros, apontando para os balizadores. Para se ter uma ideia, da ponta de uma asa a outra, o avião mede 40 m, e a largura da pista é de 39 m.
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Os pilotos ainda sofrem com a força do vento. Mesmo com 10
ton a bordo, as rajadas empurram o avião para fora da pista.
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Condições climáticas extremas e adversas tornam o voo antártico um grande desafio à tripulação o ano inteiro. “A operação em si é como em qualquer outro lugar, talvez aqui atingindo os limites da aeronave. Mas o gerenciamento da missão como um todo é uma questão delicada. Acorda muito mais cedo, prepara a aeronave, prossegue ou não, agora dá, logo depois fecha”, explica o Capitão Faleiros.
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A instabilidade do ambiente inóspito interfere também na manutenção da máquina. Para voar em regiões frias há uma série de procedimentos essenciais, da partida a proteção das luzes de sinalização do lado externo da aeronave. Fica sob a responsabilidade dos dois engenheiros de voo (flight engineer) o controle dos sistemas do avião. “Em função do frio e da diversidade de materiais, pode haver o rompimento de itens”, explica o Major Especialista em Aviões Marcos Conceição Arantes. Ao lado do Suboficial Paulo Resende Sacramento, a dupla é perita em identificar panes apenas pelo barulho diferente emitido por uma hélice fora da sincronia.
Frio na barriga durante a missão de lançamento
Durante o inverno antártico a água congela e os navios da Marinha não tem como ancorar. Os suprimentos para o grupo base caem literalmente do céu para os 15 militares que ficam na estação brasileira.
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Antes de decolar para o lançamento, o comandante da aeronave reitera sobre os riscos da missão. “A segurança de todos em primeiro lugar. Qualquer problema, a missão será abortada”, enfatiza o Major Cláudio Garcia.
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Os blocos de gelo que boiam na água anunciam que estamos nos aproximando da Baía do Almirantado, onde está a Estação Brasileira Comandante Ferraz. Os glaciais gigantescos que cobrem o continente praticamente emparelham com o avião, agora a 150 metros do chão, altura equivalente a um prédio de 19 andares.
Os blocos de gelo que boiam na água anunciam que estamos nos aproximando da Baía do Almirantado, onde está a Estação Brasileira Comandante Ferraz. Os glaciais gigantescos que cobrem o continente praticamente emparelham com o avião, agora a 150 metros do chão, altura equivalente a um prédio de 19 andares.
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É hora de abrir a rampa do avião. Aos poucos a luz invade o compartimento de carga (1). A temperatura interna se iguala a externa. O painel indica 10 graus negativos. A tensão é tanta que o corpo não sente.
Em instantes o pedaço do Brasil no gelo será avistado. O aviso vem pelo sistema de comunicação instalado nos capacetes escuros usados pela equipe. Com a viseira abaixada, eles se protegem do vento e da luminosidade potencializada pelo branco da paisagem (2).
Da cabine vem a contagem regressiva “cinco segundos”, grita o navegador. A luz verde acende no interior do avião. Na fonia a última autorização: “já”. A carga é liberada. A fita que aciona o paraquedas é cortada. O fardo desliza automaticamente pelos trilhos (3). É a vez dos loadmasters, ou mestres de carga, os suboficiais Robson Meireles Freire e Alexandre Dias Barreto, darem o feedback “carga fora”.
O verde do paraquedas aberto contrasta com o azul e o branco (4). Lentamente o pacote desce para ser recolhido pela equipe em terra. A precisão da queda é decisiva para os militares da estação. Por isso, só um fardo pode ser lançado a cada passagem.
Na outra ponta do Hércules, a concentração atinge o ápice. Um paredão de gelo cresce na frente do avião. “Eu não vou mentir. Ainda sinto um frio na barriga”, relata o Major Cláudio Garcia. A baía é pequena para o tamanho do avião e o vento não dá trégua. O piloto ganha altitude rapidamente e curva 180 graus à direita para reiniciar o circuito de lançamento. Cada passagem dura quatro minutos. Para quem está a bordo, a sensação é de que é possível estender o braço e tocar a água (5).
O Brasil é o único país que realiza essa arriscada operação no continente gelado, como parte do esforço logístico para desenvolver pesquisas científicas no local rico em minerais raros, reserva de gás, biodiversidade e água. Segundo o Gerente do Proantar, Contra Almirante Marcos Silva Rodrigues, a presença na Antártida é decisiva para os países que buscam projeção no cenário internacional. “Os 29 países signatários vão decidir em 2048 o destino do continente”, diz o oficial-general sobre a revisão do Tratado da Antártida.
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A cura do câncer pode estar no gelo
No grande laboratório ao ar livre funcionam 20 programas de pesquisa brasileiros. Aves, camada de ozônio, vegetação. Aqui podem estar as respostas para muitas perguntas dos cientistas.
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As plantas que sobrevivem ao frio intenso podem guardar a cura do câncer
Uma delas busca no único vegetal que brota entre as pedras depois do degelo as propriedades potenciais que podem indicar a cura do câncer e também no desenvolvimento de bioinseticidas. “Estamos interessados no potencial biotecnológico dessas plantas”, afirma o pesquisador e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Jefferson Luís Franco, durante a coleta das algas Prasiola Crispa e Deschampia Antarctica nas colinas antárticas.
O cientista integra o grupo de pesquisa do professor Antônio Batista, que há 30 anos estuda vegetais nas regiões de degelo. A hipótese dos pesquisadores é de que as condições ambientais extremas forçaram as plantas a se adaptarem e produzirem substâncias anticongelantes.
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As plantas são processadas nos laboratórios da universidade no Rio Grande do Sul. Depois de recolhidas, o cuidado é intenso para preservá-las na temperatura mais próxima possível ao ambiente natural. “O quanto antes chegar ao laboratório melhor para manter as propriedades. Nesse quesito, o avião ajuda bastante, agiliza”, explica o pesquisador.

O símbolo do piloto antártico é um pinguim. Dos 30 pilotos que trabalham no Esquadrão Gordo, apenas dez exibem o ícone na gola do macacão. Eles integram o quatro de tripulantes antárticos. Cada tripulante guarda o broche como um troféu. “Significa dedicação, muito trabalho, empenho e vontade. É uma realização profissional participar de uma missão tão nobre e específica como esta”, afirma Capitão Faleiros ao lembrar do dia em que conquistou o seu.
Para pensar em se candidatar a ostentar o simpático pinguim o piloto precisar ter pelo menos 800 horas de voo no C-130 e estar há quatro anos no Esquadrão Gordo, dois pré-requisitos para o candidato ser avaliado por conselho interno. Depois de aprovado, precisa fazer o curso de sobrevivência no gelo, nas montanhas chilenas. “Aprendemos a lidar com situações de emergência, como o que fazer em caso de hipotermia”, relata o Suboficial Alexandre. Só então passa para a parte prática: dois voos de verão e dois voos de inverno a bordo do Hércules em companhia de um piloto já operacional – no segundo ou terceiro ano - e um instrutor muito experiente, já no quarto ano de Antártida.
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O capitão Flávio Cardoso Abadie está em fase de treinamento. “Já realizei as duas missões de verão, faltam as de inverno”, diz. Desde a época de cadete ele carregava a certeza de que queria ser piloto de transporte. “Depois de voar no C-130 é inevitável a vontade de ser piloto antártico. Lá o avião tem um comportamento diferente”, conta o Capitão acostumado a efetuar lançamento de carga em áreas secas e na água.
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É para exercitar as particularidades do gelo que uma parte da missão é dedicada exclusivamente ao treinamento dos aviadores. O procedimento de toque e arremetida, por exemplo, permite que cada piloto execute de três a quatro pousos em uma missão. No exercício, a aeronave pousa, mas não para. Logo depois de tocar o chão, o piloto acelera os motores e eleva o nariz do avião para a decolagem “A formação só sai depois de 15 a 20 pousos”, afirma o Major instrutor.
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Vídeo
Assista a reportagem da FAB abaixo, vídeo muito bacana, vale muito a pena!
Assista a reportagem da FAB abaixo, vídeo muito bacana, vale muito a pena!
Inverno de 2016
Temperaturas entre -10 e -25 graus foi o cenário das missões do Esquadrão Gordo (1º/1º GT) no apoio ao Programa Antártico Brasileiro, durante os voos de inverno de 2016 ao continente gelado. As tripulações da Força Aérea Brasileira, a bordo da aeronave cargueira C-130 Hércules, são responsáveis pelo transporte de pessoas e mantimentos para a Estação Antártica Comandante Ferraz, onde pesquisadores brasileiros realizam estudos científicos.
Foto: Força Aérea Brasileira - Divulgação
Devido ao congelamento das águas e as baixas temperaturas, o recebimento do material durante o inverno só é possível por meio aéreo, com o lançamento de carga. "Essa missão é feita sob condições climáticas mais adversas possíveis, que não operamos no Brasil. Vários fatores dificultam: baixa visibilidade, vento forte, pista de pouso curta e o gelo que torna a pista escorregadia. Esse é o grande desafio: poder operar numa localidade onde você usa os limites, por isso é importante ter uma equipe preparada para enfrentar toda a variação climática da região", explica o Comandante do Esquadrão Gordo, Tenente-Coronel Sandro Lúcio Santana do Nascimento.
Veja o balanço dos voos de inverno de 2016 abaixo:
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Créditos: Força Aérea Brasileira
* Reportagem originalmente publicada na revista online digital AEROVISÃO da Força Aérea Brasileira edição nº 237 de Jul/Ago/Set - 2013.
** O trecho "Inverno 2016" extraido da revista NOTAER de outubo de 2016 (página 04) da Força Aérea Brasileira.